sexta-feira, 13 de maio de 2011

Pra você lembrar

Tudo o que se ouvia eram seus passos crepitando na fina camada de gelo. Os passos corridos em desespero, o ar brigando com a garganta, e o corpo reagindo a cada nova dose de adrenalina, afundava seus pés na neve, o que a deixava mais pesada viu à sua frente a igreja, estava chegando, “corra mais um pouco!” se esforçou. Caiu o rosto contra o chão gelado, se levantou furiosa.
  A tarde cinza ria dela e de seu medo de que ele não a estivesse esperando. A igreja se mostrou maior, mas parecia se camuflar com o céu, seu único destaque era o grande sino incrustado de rubis. Angie chegou aos degraus e eles a avisaram:
-Não entre. –Angie parou por um momento, não podia perder mais tempo. Entrou. Ele a estava esperando.
  O lugar parecia ter parado no tempo, os enfeites do casamento ainda estavam pendurados nos bancos de eucalipto. Tudo estava empoeirado, as cortinas rasgadas, e no altar um homem sentado. Tinha a mesma fisionomia de 10 anos atrás, quando ela o largou no altar “Uma burrice a minha!” Angie pensou. A cartola dele tinha pequenas colinas de poeira, sua cabeça estava baixa, o lenço no bolso do terno amarelado, os braços estendidos nos joelhos.
-Ítalo. –Murmurou tocando-o no ombro. Viu os olhos azuis dele lhe fitarem surpresos. –eu voltei. –Se abaixou. Ele olhou bem os traços dela, tinha se passado quanto tempo? Parecia a mesma, o mesmo cabelo ondulado e preto, o nariz fino e alongado, e os olhos acinzentados, que ele tanto sonhara. –Achei que não fosse mais estar aqui. –A neve começou a cair lá fora e junto com elas as lágrimas quentes de Angie. –Me perdoa.
-Eu te esperei por todo esse tempo, já te perdoei. –A voz dele saiu baixa e rouca. Ela beijou os lábios secos dele, dando-o um pouco mais de vida. A pele translúcida dele corou. Deu um sorriso que lhe doeu a face, estava a tanto tempo sem se mexer, tudo estava enferrujado.
-Vem. –Estendeu a mão pra ele, que a pegou e cambaleou ao levantar. Seus ossos rangeram, sua coluna estralou e seus pés o traíram, jogando-o no chão. Angie se abaixou pra ajudá-lo, como uma criança que aprender a dar os primeiros passos ela o guiou até o fim das fileiras de bancos e o sentou no último e se sentou ao lado dele.  –Por que não desistiu? –Pegou a mão dele.
-Nem por um instante eu pensei nisso. Todos se foram, a cidade morreu aos poucos, eu estava morrendo. Mas agora você me trouxe a vida de volta. –A garganta ardia.
-Eu não fui justa com você... Te prendi aqui por dez anos. Me arrependo tanto disso.. . –Pressionou o dedo magro contra os lábios dela, fazendo-a se calar.
-Não há tempo pra arrependimentos, estou livre agora. -Ele tirou a flor branca de sua cartola. –Sabia que voltaria um dia, mas só tenho esse presente. –colocou a flor entre as mãos dela. –Em troca da liberdade que você me deu. –Ele se levantou.
-Pra onde vai? –Ela se preocupou.
-Pra onde deveria estar a muito tempo. –A beijou mais uma vez. Seus passos eram mais firmes.
-Temos que ficar juntos! Ítalo, eu voltei por você! –Ela chorou desesperadamente.
-Se o amor nos tornasse mesmo eternos eu ainda estaria ao se lado, mas o tempo me tirou de você, assim como seus passos me deixaram um dia. –A voz dele estava ficando cada vez mais distante a cada passo que dava em direção à porta.
-Você disse que me perdoava. –Ela implorou.
-E já perdoei. –Com a voz mansa a imagem dele foi sumindo, se esmaecendo em milhares de flocos de neve e indo com o vento fresco.
 Angie despertou arfando e gritando:
 - Ítalo! Ítalo!
-Querida o que foi? –Seu marido, Vinicius, se sentou a abraçando.
-Só um pesadelo. –Ela se aconchegou nos braços dele. Ainda protegida pelos cobertores olhou pra sua mesa de cabeceira. –Que flor linda! –Beijou o rosto do marido. –Muito obrigada! –A pegou e pressionou contra o peito.
-Não fui eu que a coloquei aí. –Vinicius respondeu.

Um comentário:

  1. Fiquei louquinha com este seu post. Ainda mais porque eu tinha lido anteriormente xD
    Flor, você escreve super bem! Continue sempre assim cheia de inspiração!

    Beijão :**

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